Tropicália — Bananas ao vento: a música tropicalista como retrato de uma modernidade interrompida. [Capítulo 3 - Violência, Viola, Violeiro: O Surgimento Da Tropicália]

André Luis Carneiro
39 min readFeb 26, 2023

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[Atenção! Este texto é parte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em 2020 para minha graduação em História pela UERJ. Para conferir o resto acesse os links disponíveis no fim da página]

Finalmente chegamos ao momento apropriado para analisarmos a Tropicália. É importante destacar que o que acompanhamos até aqui ocorreu ao longo de três décadas, ao passo que os eventos do atual capítulo ocorreram ao longo de três anos. A experiência tropicalista foi relativamente curta na História da MPB. Entretanto, foi capaz em tão pouco tempo mobilizar um profundo debate que operou mudanças substanciais na cultura brasileira dali em diante. Pedro Duarte organizou os capítulos do livro Tropicália ou Panis et circensis (2018) a partir de uma concepção cinematográfica; dividindo-os em ‘close’, ‘plano médio’ e ‘plano geral’. Partindo desse gesto, vejamos a “linha evolutiva da música popular brasileira”, proposta em 1966 por Caetano Veloso (1), pela estrutura de uma peça de três atos (2).

No primeiro ato conhecemos os personagens, suas características, objetivos e seus conflitos. É o caso da cultura erudita e a cultura popular dividindo o mesmo país, a partir do Rio de Janeiro, desde 1910. Esse primeiro ato passa pela Semana de 22, a introdução dos meios de comunicação em massa, a aproximação do PCB com os sambistas de morro e a emergência da Bossa Nova. No segundo ato os personagens saem de suas zonas de conforto, encontram novos objetivos e com isso novos obstáculos que, somados aos anteriores, colocam em risco toda a jornada dos personagens. Seria o caso do engajamento político da bossa nova, seu desdobramento na estética nacional-popular, seu compromisso com a modernização e, subsequentemente, com a resistência à ditadura militar. O terceiro ato é o clímax, onde os personagens encontram suas resoluções por meio do conflito com suas antíteses. É onde acontece a experiência tropicalista; onde os personagens empregam todo o acúmulo de sua evolução para superar seus antagonistas e obstáculos; mas onde, infelizmente, esta história perde seus contornos épicos e assume sua face de tragédia. Neste capítulo veremos como a trajetória da Tropicália se insere e se relaciona ao contexto previamente apresentado. Esta relação não foi um mar de rosas. Entretanto, como vimos anteriormente, a historiografia sobre o tema tende a polarizar posições, apoiando-se nas rusgas pessoais, divergências criativas ou desacordos políticos das figuras envolvidas. Claro, é impossível contar a história da Tropicália sem mencionar as vaias no festival de 1968 ou o caos instalado no debate da FAU/USP, no mesmo ano. Havia sim uma distinção clara da música de protesto (herdada do nacional-popular (3)) e o projeto tropicalista que já se manifestava nas divergências entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina. Entretanto, as linhas que separam a dita “música engajada” e os tropicalistas são mais confusas. Gláuber Rocha, por exemplo, hora é considerado um ícone do nacional-popular pelo filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), hora é considerado uma entidade tropicalista por conta de Terra em Transe. Parafraseando William Shakespeare, há mais entre a música de protesto e a Tropicália do que pode imaginar nossa “vã” historiografia.

3.1 Pelos 5.000 alto falantes: a modernidade manifesta na proposta tropicalista

Modernização e modernidade são conceitos distintos, mas que caminham juntos. O objetivo último deste trabalho é justamente observar como ambos os conceitos se manifestaram e eram manifestos na obra tropicalista. Portanto, é importante observar alguns dos meios materiais pelos quais a modernização orientou a modernidade tropicalista. A tecnologia, mediada na Tropicália por membros oriundos do grupo Música Nova, permeia toda a obra em diversos níveis e constitui um dos elementos que os distinguem de seus contemporâneos até hoje. Dentre todos esses meios mobilizados, talvez nenhum seja mais apropriado para a introdução deste debate do que a guitarra elétrica. Em primeiro lugar porque, dado o distanciamento histórico, a guitarra se tornou um objeto banal, um instrumento como qualquer outro que vemos ser utilizado sem maiores impedimentos por todo o mundo — mas esta banalização requer uma desconstrução.

Hoje, somos tão íntimos que abandonamos o sobrenome elétrica, e chamamos apenas de guitarra (4). Mas neste sobrenome esquecido reside também parte da nossa acomodação com um padrão de modernidade por vezes ignorado: a eletricidade. A introdução da luz elétrica significou uma expansão na capacidade humana em controlar, entre outras coisas, a duração do dia de trabalho. A introdução da guitarra elétrica, por sua vez, significou uma expansão na capacidade humana em controlar e manipular o som. Como disse, não paramos para refletir sobre coisas tão banais, mas o som da guitarra é energia elétrica transformada em música; portanto, a guitarra elétrica é por excelência um instrumento da modernidade. É um instrumento que requer uma curva de aprendizado não só musical, mas também tecnológica. Neste sentido, é oportuno a referência a dois filósofos imprescindíveis para compreender cultura e tecnologia no século XX: Walter Benjamin e Álvaro Vieira Pinto. O primeiro, analisando o conflito de classes nas disputas entre o fascismo e socialismo, entende que a tecnologia cultural apropriada pelo Terceiro Reich em prol da ideologia nazista poderia servir em sentido oposto. Resumindo, para o filósofo alemão, se os nazistas estetizaram a política — transformando-a em performance –, a tarefa do socialismo seria politizar a estética. Essa operação contaria com o mesmo aparato tecnológico, mas precisaria sofrer uma considerável transformação em suas lógicas e sentidos (5). Portanto, a técnica e a tecnologia são meios a serem apropriados, e não possuem fins em si mesmos. Esta é uma concepção próxima à de Álvaro Vieira Pinto, filósofo brasileiro que, inexplicavelmente, não goza do reconhecimento que sua contraparte germânica nos estudos sobre a cultura do seu próprio país. Analisando o conflito político-econômico entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, Pinto aponta suas críticas contra a fetichização da tecnologia enquanto uma magia de domínio exclusivo das nações desenvolvidas. Diz o filósofo, de forma sintática:

“No conceito de técnica não se contém nenhuma nota indicando relacionar-se com qualidade excepcionais de indivíduos isolados. Ao contrário, o conceito da técnica mostra que deve ser, por necessidade, patrimônio da espécie. Sua função consiste em ligar os homens na realização das ações construtivas comuns” (6).

A partir destas análises podemos perceber que na guitarra não reside nenhuma propriedade especificamente nacional, política ou ideológica — somente a força do seu som elétrico e seu potencial criativo. Partindo desta análise, a infame ‘Marcha Contra a Guitarra Elétrica’ de 1967 soa tão insana quanto uma “marcha contra a batedeira elétrica”. Se o apelo era contra a influência estrangeira e imperialista, o que falar do violino? Ou do trompete? O próprio violão é um instrumento introduzido no Brasil diretamente pelo colonizador português. Tom Zé rastreia as origens das influências que teriam acometido os tropicalistas desde a tenra infância. Sua explicação é incrivelmente enriquecedora para a compreensão não só da Tropicália, mas das origens mais remotas da cultura nordestina; ligando-os à poesia provençal da idade média, a canção celta e a filosofia moçárabe (7). É um fato que remete a nossa condição de ninguém, descrita por Darcy Ribeiro e debatida no primeiro capítulo; visões dogmáticas e simplistas tendem a ser insuficientes. Estes elementos descritos por Tom Zé são tão estrangeiros à nossa cultura quanto as guitarras; mas poucos são os analistas que os consideram. Sim, a guitarra elétrica tinha se tornado um símbolo do rock ‘n roll estadunidense dos anos 1950 e muitos grupos no Brasil imitavam Buddy Holly e Elvis Presley. Esse ímpeto mimético ganhou novo impulso em 1964 com o lançamento do disco/filme A Hard Day’s Night, dos Beatles. Mas a essa altura o gênero já havia passado por dois ciclos de apropriação cultural. O último, quando os jovens ingleses se apropriaram do gênero comercializado na antiga colônia. Mas a primeira apropriação do rock teve tons raciais e de gênero: Buddy Holly, Elvis Presley e Jerry Lee Lewis surfavam o sucesso de um gênero cujo caminho fora trilhado por negros excepcionais como Chuck Berry e Little Richards. Esses, por sua vez, seguiram os passos da verdadeira precursora: a Irmã Rosetta Tharpe. Pastora em uma comunidade negra, a Irmã Rosetta revolucionou a música ao complementar o gospel com a guitarra elétrica. Nos anos 1960 ela ainda se apresentava publicamente com sua Gibson SG branca e seu amplificador Vox; entretanto, neste momento, o foco da indústria cultural estava mesmo nos “garotos de Liverpool”.

No Brasil, nada disso permeava o debate. A guitarra era o símbolo de alienação expresso, em última instância, na ingenuidade juvenil do Clube do Rock de Carlos Imperial. Justiça seja feita, em 1967 a ingenuidade era uma qualidade perigosa. Era o terceiro ano da ditadura militar, as eleições de 1965 já tinham virado cinzas e as cassações políticas avançavam. Trata-se de um cenário onde a ingenuidade pode ser considerada, no mínimo perigosa, e no máximo, ardilosa. O clima de desconfiança, que descreveu Schwarz, não assolava somente a plateia do Teatro Oficina (8) mas toda a sociedade brasileira. Essa sensação naturalmente se estendeu ao rock e por consequência à guitarra elétrica. Porém, esta paranoia tampava os olhos de talentosos artistas para o potencial técnico e estético com que essas novidades poderiam contribuir para a cultura brasileira. Como dito anteriormente, o som elétrico carrega um grau de violência: uma simples nota em pianíssimo, tocada em uma guitarra elétrica, a depender da potência, do ganho e do volume do amplificador, soará mais alto que 10 violões. A guitarra de Sérgio Dias foi muito mais eficaz no enfrentamento das vaias em 1968, do que o violão de Sérgio Ricardo em 1967.

Peço licença para uma breve digressão: Apoiados na leitura que Fanon apresenta sobre a violência enquanto um caminho legítimo e eficaz para o colonizado livrar-se de seus algozes, trataremos da violência como elemento estético introduzido pela guitarra elétrica (9). A título de ilustração utilizarei algumas linhas para contar sobre a história dos índios Botocudos que, segundo narra Marco Morel (10) impuseram-se como inimigos da Coroa Portuguesa e Brasileira entre 1808 e 1830. Segundo Morel, essa tribo praticava rituais antropofágicos e causou terror em lusos, brasileiros e lusos-brasileiros pela ferocidade com que travam suas batalhas. Resumindo: o Império Brasileiro nunca conseguiu derrotá-los efetivamente; eventualmente suas estratégias mudaram da lógica de extermínio para a de assimilação. Por outro lado, os próprios Botocudos precisaram repensar suas estratégias quando viram a extensão que atingira o domínio dos colonizadores. Por anos o máximo que haviam presenciado do desenvolvimento colonial eram cidades pequenas como Vitória; ao testemunharem e compartilharem relatos sobre o Rio de Janeiro, entenderam que aqueles homens brancos não iriam mais a lugar nenhum. Retornando à Fanon, um condenado da terra tem apenas algumas opções no enfrentamento da violência colonizadora. No caso dos Botocudos, seus recursos limitavam-se materialmente e, ainda que pudessem eventualmente apossar-se de machados e facões saqueados de colonos, não poderiam fazer frente ao progresso escalonado das armas dos colonizadores.

Julguei pertinente contar essa história por dois motivos principais: primeiro por se tratar de uma história incrível sobre um dos vários povos originários do Brasil. E segundo, por demonstrar na prática como os tropicalistas pretendiam enfrentar a força colonizadora da cultura estrangeira: apossando-se da força e das armas do inimigo. Em uma entrevista, Rogério Duprat deu a seguinte declaração sobre o momento em que descobriu Os Mutantes: “Foi um pé na cara de todos nós. Ninguém imaginava que pudesse haver gente tão criativa aqui, no meio dos Botocudos! Uma coisa que podia às vezes parecer melhor do que os Beatles” (11) . É fácil argumentar sobre a polêmica contra as guitarras elétricas hoje, e com o benefício do tempo, posicionar-se contra aquela postura questionável. Ao fim e ao cabo, é apenas um instrumento; tratá-lo como um elemento mágico que poderia imediatamente destruir as tradições culturais brasileiras e expurgá-lo da nossa cultura foi um erro tático. Os Tropicalistas, ao não se deixar levar por essa visão esquemática, apossaram-se de um instrumento capaz de traduzir um elemento estético estritamente necessário para aqueles que buscavam uma cultura politicamente engajada: a violência. Para voltar uma última vez aos Botocudos, é como se, além de facões e machados, tivessem tomado posse das espingardas e dos canhões de seus algozes. Pedro Duarte identifica na introdução da guitarra por parte dos tropicalistas…

“a atualização da arte nacional para uma linguagem contemporânea e a constituição da singularidade do Brasil pelo contato com dados estrangeiros. O emblema foi a incorporação de guitarras elétricas (…) a operação herdava a ideia de antropofagia que, lançada em 1928, permanecia dormente na cultura nacional até os anos 1950, quando o Concretismo paulista a ressuscitou.” (12)

Celso Favaretto vai além e afirma nesse gesto uma importância decisiva na modificação da forma da canção no Brasil” (13). Analisado o erro tático que a leitura anti-imperialista fez da guitarra enquanto elemento político; resta comentar que do ponto de vista estético, essa não era só uma querela improdutiva como pouco original. Digo: são comuns trabalhos sobre a obra tropicalista mencionarem a Marcha Contra a Guitarra Elétrica e até mesmo descrevê-la, injustamente, como uma força reacionária. No entanto, pouco se menciona sobre a Electric Dylan Controversy, quando em 1965, Bob Dylan subiu ao palco do Newport Folk Festival e performou seu set não mais com um violão, mas com uma guitarra. Esse gesto provocou a ira dos puristas da canção folk e é até hoje considerado um momento marcante na trajetória do instrumento e da música popular estadunidense. Não só a guitarra, mas toda a mediação tecnológica desenvolvida a partir da elétrica e da eletrônica, faziam parte de uma transformação que ocorria na música de todo o mundo desenvolvido. O Brasil, impulsionado pelos ciclos desenvolvimentistas que ocorreram desde 1930, demonstrou-se apto a dar esse passo enquanto os tropicalistas começaram a desenvolver sua arte armados do conceito de antropofagia. Como dissemos anteriormente, tanto Frantz Fanon quanto Mário de Andrade, referindo-se a uma abertura ao poder da cultura estrangeira, temiam que ao absorver também seriamos absorvidos. De fato, em muitos sentidos a história da Bossa Nova dá razão aos autores. O disco Getz/Gilberto fez justificável sucesso nos EUA e com isso o gênero brasileiro permeou parte da música estadunidense. No mesmo ano em que surgem as primeiras músicas tropicalistas, é lançado o disco The Doors (1967). É o disco de estreia da banda que viria a se tornar um clássico; e logo de cara, na primeira música, eles se apresentam ao mundo ao som da… Bossa Nova. Anos mais tarde, o baterista John Densmore admitiu a influência direta do ritmo brasileiro (14). É um fato relevante, pois demonstra que a posição de resguardo não só estagnou internamente o avanço estético, como nada fez para impedir que a música brasileira fosse absorvida pelo estrangeiro. E de modo geral, o final dos anos 1960 os Beatles abandonaram a posição de boyband primitiva e adotaram uma postura vanguardista, experimentando com a tecnologia de ponta que tinha à disposição no mercado interno do Império britânico. Jimi Hendrix causava espanto ao elevar ainda mais o nível do que era possível fazer com uma guitarra. O The Who quebrava seus instrumentos ao vivo na TV

A violência e o experimentalismo eram agora uma realidade da cultura popular. Como disse Celso Favaretto, “impunha-se, para crítica e público, a reformulação da sensibilidade, deslocando-se, assim, a própria posição da música popular, que, de gênero inferior, revestiria-se de dignidade” (15). Frente à música de protesto, a Tropicália fazia da violência uma linguagem pela qual se atualizava todo o arsenal estético do nacional-popular. Cabe ressaltar que a guitarra elétrica não foi o único elemento moderno que os tropicalistas introduziram na música popular brasileira. Os conceitos de música eletrônica, debatidos pela Música Nova, se materializaram em diversas oportunidades na música tropicalista. Rogério Duprat reconhecia nos ready-mades de Marcel Duchamp o congêneres dessa técnica que hoje é amplamente disseminada e conhecida como sample (16) –, posando na capa de Tropicália ou Panis et Circensis (1968) com um penico, em referência ao Fonte (1917) de Duchamp. Diz Favaretto:

“A canção tropicalista também se singulariza por integrar em sua forma e apresentação recursos não musicais — basicamente a mise en scène e efeitos eletrônicos (microfone, alta-fidelidade, diversidade de canais de gravação, sonoridades estranhas) que ampliavam as possibilidades do arranjo, vocalização e apresentação” (17).

Como diz Guilherme Granato; “O aparato de gravação não é utilizado apenas para registrar a performance dos músicos, pois os próprios recursos sonoros do estúdio integram o arranjo em uma sintaxe própria” (18). Vale notar que a Tropicália, por meio do trabalho de Rogério Duprat, lançou estéticas sonoras extremamente inovadoras em comparação ao estado geral da música popular de todo o mundo naquele momento. Muito da música atual ainda se encontra na órbita do que Duprat e o movimento Música Nova propuseram há mais de 50 anos. Portanto, a Tropicália foi mais do que apenas a guitarra, e mesmo esta não recebeu a análise merecida frente ao que significava naquele momento em termos de modernidade. Por hora, resta apontar que em 1968, as condições materiais para produzir música neste nível técnico impunham a necessidade de concessões à indústria cultural brasileira que surgia naquele momento.

Vale reforçar que esta era uma condição incontornável daquele tempo, e de forma alguma explica a acomodação e subserviência da classe artística atual à indústria cultural (19). Dito isso, foi necessário para os tropicalistas a aproximação utilitarista com a indústria cultural a fim de realizar sua concepção artística. Além disso, como dissemos anteriormente: os CPCs estavam enterrados, não havia mais alternativa. Dessa maneira, quase todos os artistas, de Roberto Carlos a Geraldo Vandré, estavam submetidos às regras do mercado capitalista. Enquanto alguns se debatiam contra esta imposição histórica, outros se valiam dela em prol de suas carreiras pessoais. Ambos eram operários, alienados de parte da riqueza que produziam, vendendo sua força de trabalho para a burguesia da indústria cultural; o primeiro tinha consciência disso, o segundo almejava fazer parte daquela burguesia (20). Os Tropicalistas, cientes dessas contradições, tentaram tomar parte do controle desta indústria — não se transformando em donos dos meios de produção eles mesmos, mas forçando-os a tomar posturas que outrora não tomariam sem a pressão exercida com seu talento. Era esse o limite e objetivo final da proposta que Gilberto Gil e Caetano Veloso introduziram no III Festival da Música Popular Brasileira em 1967. O Festival de 1967 e a composição estelar dos nomes que estavam na final mereciam uma pesquisa própria. Nana Caymmi, Jair Rodrigues, Nara Leão, Sidney Miller, Elis Regina, Geraldo Vandré, Roberto Carlos, Sérgio Ricardo; além dos clássicos, Ponteio (1967) de Edu Lobo e Capinam, Roda Viva (1967) de Chico Buarque e, por fim, Alegria, Alegria (1967) de Caetano Veloso e Domingo no Parque (1967) de Gilberto Gil, apresentaram-se naquela noite. Indiscutivelmente um momento histórico para a música popular brasileira. Nesta noite, Gil e Caetano colocaram em prática o que chamavam durante as entrevistas de “som universal”; era a estreia da Tropicália, que apresentava ali suas primeiras feições. O arranjo de Alegria, Alegria foi escrito por Júlio Medaglia e, bastante direta, trazia não só a guitarra, como o baixo e o órgão elétrico para compor a marchinha de coreto composta por Caetano. Na interpretação canônica de Celso Favaretto, era o choque do arcaico e do moderno, interpretação que não considera que esta é uma contingência mundial (21). Da digressão de Tom Zé, poderíamos considerar como um embate entre o moçárabe e o aristotélico. Tomemos, então, como o encontro prático e objetivo entre o ritmo tradicional da música brasileira com as novidades tecnológicas oriundas do avanço da modernidade.

Já Domingo no Parque, cujos arranjos ficaram por conta de Rogério Duprat, entrelaça a potência elétrica d’Os Mutantes com o toque de berimbau, a orquestra e os samples operados pelos equipamentos eletrônicos construídos por Cláudio Baptista, irmão de Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. A despeito de algumas vaias iniciais, a energia com que Alegria, Alegria foi introduzido pelo grupo argentino Beat Boys logo contagiou a plateia que acabou por aplaudir a canção. Além disso, Domingo no Parque foi premiada como melhor arranjo. No geral, foi uma estreia de sucesso. Apenas oito meses se passariam entre a finalíssima do III Festival da MPB e o lançamento de Tropicália ou Panis et Circensis. Nesse meio tempo, Gil e Caetano lançaram discos em janeiro de 1968 e março de 1968, respectivamente. A disseminação do “tropicalismo”, descrito no primeiro capítulo, desenrolou-se nesse ínterim:além de Gil e Caetano, somente a partir de junho Os Mutantes tinham um disco no mercado. Não é pouca coisa, mas esses discos estão longe de cumprir todo o potencial do que prometia a Tropicália. Portanto, esse período entre outubro de 1967 e julho de 1968 foi quando todos ouviam falar, mas ninguém sabia muito bem do que se tratava ou o que queriam “esses tais” tropicalistas. Em maio de 1968 começaram as gravações de Tropicália ou Panis et Circensis. Somava-se ao potencial criativo de Gil, Caetano, Duprat e Os Mutantes: a crítica contra burguesia de Tom Zé, a coragem contracultural de Torquato Neto, o protesto político de José Carlos Capinam, a força graciosa de Gal Costa e a bênção de Nara Leão, a musa da Bossa Nova que desde 1964 promovera o encontro do estilo com o samba de morro e a música nordestina. Definia-se ali o que era a Tropicália, que já surgia sob a mira de críticas e interpretações previamente concebidas. O disco foi lançado em julho de 1968, mas o Brasil e o mundo já não eram como naquela noite em 67.

3.2 Brutalidade jardim: O fim precoce e o legado tropicalista

Entre o inicio do III Festival da MPB e o lançamento de Tropicália ou Panis et Circensis: Che Guevara foi executado; iniciou-se a Primavera de Praga; a Guerra do Vietnã tornava-se cada vez mais violenta; o estudante Edson Luís foi assassinado e, na missa de sétimo dia, o artista Rogério Duarte — que era muito próximo aos tropicalistas — foi preso e posteriormente torturado; ocorre a ‘Passeata dos 100 mil’; o Dr. Martin Luther King Jr. foi assassinado; a Frente Ampla fora proibida por Costa e Silva; Stanley Kubrick estreou 2001: Uma odisseia no espaço; os estudantes franceses tomaram as ruas no que ficou conhecido como ‘Maio de 68’; Andy Warhol sofrera um atentado; Robert Kennedy também, mas este não teve tanta sorte e morreu. O ponto é: foram meses particularmente agitados e marcados por um entrelaçamento explícito entre política, cultura e violência. Nesse contexto foi produzido o disco-manifesto no qual os tropicalistas lançavam as bases do que concebiam como possibilidade estética para a música popular brasileira. Analisaremos em detalhes este disco no próximo capítulo. Por hora importa entender sua inserção no contexto cultural brasileiro à época do seu lançamento. A essa altura o nacional-popular havia se transformado na chamada música de protesto, Geraldo Vandré era seu maior expoente e Pra não dizer que não falei das flores embalava o imaginário da resistência cultural. Caetano narra em Verdade Tropical (1997) que durante as gravações de Tropicália ou Panis et Circensis, o grupo tropicalista encontrou Vandré em uma lanchonete que lhes perguntou sobre os trabalhos em desenvolvimento. Gal então teria cantado para ele a recém-gravada Baby, no que os tropicalistas foram respondidos com um tapa na mesa, acusações de traição e xingamentos por parte do compositor paraibano (22). Essa querela pessoal ilustra o profundo enfrentamento entre o que restara do nacional-popular e a nova proposta tropicalista, dando consequência na música aos embates que o Teatro de Arena e o Teatro Oficina já travavam anteriormente. Dado esse episódio entre Vandré e os tropicalistas, seria impossível ignorar a questão. Por outro lado, é necessário dizer que a historiografia por vezes concede a essa disputa uma centralidade desproporcional na análise das obras tropicalistas. Diz, Napolitano:

“Nem o Tropicalismo “entrou e saiu de todas as estruturas”, como queria Caetano, nem todo o leque do nacional-popular “folclorizava o subdesenvolvimento para compensar as desvantagens técnicas”, parafraseando a genial formulação do compositor baiano” (23).

Já Pedro Duarte ressalta que nem todos os comunistas estavam submetidos à estratégia nacional-popular/democrático-burguesa. Entre eles Roberto Schwarz, que denunciava esse programa como incapaz de alterar as estruturas do capitalismo; e também José Paulo Netto, que acusava a “fetichização do povo como entidade histórica” (24). Note-se que Tom Zé surgiu inicialmente por meio do CPC da Bahia. Capinam, também formado no CPC, estava em 1967 concorrendo contra os tropicalistas como compositor da vencedora Ponteio. Gilberto Gil surgiu como promessa no programa O Fino da Bossa, e por incrível que pareça, estava na Marcha Contra a Guitarra Elétrica. Rogério Duprat havia sido filiado ao PCB e com o golpe de 1964 perdeu o posto de professor da UNB. Os tropicalistas não eram estranhos ao nacional-popular, ao comunismo ou à ditadura. Suas divergências com artistas como Vandré eram, antes de mais nada, táticas. Enquanto o ímpeto voluntarista das canções de protesto insistiam em “direcionar o povo no caminho da revolução”, os tropicalistas faziam outra leitura de conjuntura. Diz, Duarte:

“Não se tratava, para os tropicalistas, de tomar o poder por uma revolução, seguindo a tradição intelectual marxista quanto à práxis política. O próprio Marx, ao discutir A Ideologia alemã, escreveu que “somente com uma revolução a classe que derruba detém o poder de desembaraçar-se de toda a antiga imundície” (25).

Diferente do posicionamento estético, não há um consenso quanto à posição política dos tropicalistas. Caetano Veloso vem declarando desde 2019 que sempre foi um liberal, mas que recentemente tem se interessado pelas críticas do marxista italiano Domenico Losurdo. Duprat, Capinam e Tom Zé, como dissemos há pouco, tinham relações mais ou menos próximas ao Partido Comunista Brasileiro. Rita Lee, em sua autobiografia, definia-se à época como uma “hiponga comunista com um pé no imperialismo”; referindo-se à sua origem estadunidense (26). Definitivamente não era nenhum objetivo político que uniu os tropicalistas. E não creio que o poderia ser: uma vez que a ditadura avançava incansavelmente, que mais e mais prisões e torturas ocorriam, que mais e mais políticos eram cassados, instituições fechadas. Não parece ser um cenário onde devaneios políticos, promessas redentoras e palavras de ordem consigam ir além do que meros devaneios, promessas e palavras vazias. Se não era mais possível falar com o povo, os meios de comunicação e a indústria cultural ofereciam a oportunidade de falar para o povo. Era o que tinham em mente os tropicalistas na sua adesão a canais como o Programa do Chacrinha. Diz Duarte:

“Os tropicalistas queriam se apropriar do mercado e da mídia, para socializar sua produção sem elitismo e aproveitar o potencial político da “obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, segundo a formulação consagrada de Benjamin. Sem preconceitos, competiram nos festivais de televisão, foram a programas de auditório como o do Chacrinha e exploravam o formato ainda em desenvolvimento histórico do disco de vinil.” (27)

Da mesma forma, não alienaram, com base no “gosto”, qualquer elemento cultural que fosse ou tivesse sido popular; isso inclui as canções de rádio, o romantismo exagerado do samba-canção, o Srt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967) ou A Banda de Pífanos de Caruaru. Repare que não se trata de uma mera recuperação de “velharias” e folclorismos, ou de uma adesão acrítica à indústria fonográfica e à cultura estrangeira; mas tentativas de reinventar ou redirecionar suas lógicas e sentidos — eis a divergência tática. Diz Favaretto:

“Quando justapõe elementos diversos da cultura, obtém uma suma cultural de caráter antropofágico, em que contradições históricas, ideológicas e artísticas são levantadas para sofrer uma operação desmistificadora (…) através da mistura dos elementos contraditórios (…) privilegia o efeito crítico que deriva da justaposição desses elementos” (28).

Schwarz vê neste gesto a ressurreição dos “preteridos do capital” (29), algo que a ditadura tentava fazer colocando no centro do poder econômico velhos oligarcas que havia perdido prestígio político com a Revolução de 1930. Esta interpretação até parece acompanhar, no campo político, as interpretações de Duarte e Favaretto, de que a Tropicália resgata as “estéticas superadas” que haviam perdido espaço para a Bossa Nova. Porém, a interpretação de Schwarz, deixa margem para interpretar a Tropicália como linha auxiliar de um projeto cultural do regime. Como está é uma interpretação absurda, de que forma se sustenta o argumento? Favaretto e Duarte falam em “resgate”. Ora, essas vozes e estéticas não foram tão resgatadas, quanto foram devoradas e digeridas pela antropofagia tropicalista. Muitos dos impasses que acometeram o nacional-popular derivam do fato de que, sem o apoio do (e ao) Estado desde o golpe de 1964, a sensação de “controle da história” havia se perdido; não só política, como culturalmente. A extinção dos CPCs, a emergência da indústria fonográfica, a consolidação da indústria cultural; tudo isso fugia ao controle. A submissão à ditadura e a indústria cultural para os artistas (assim como a colonização para os botocudos) vieram para ficar. Por mais que se rebelasse ou resistisse, este era um fato dado. Ao invés de entender o “resgate estético” da Tropicália em paralelo com o “retorno do recalcado” que a ditadura de fato promoveu, talvez seja mais correto compreender como, esteticamente, os tropicalistas promoveram uma resposta “à altura”, tal como tentariam em breve as guerrilhas revolucionárias.

Em primeiro lugar, é preciso reforçar que, até onde se sabe, os tropicalistas enxergavam valor legítimo naquilo que havia sido “superado”. Coração Materno não está no disco para irritar nem bajular ninguém. Estas são consequências posteriores, as quais os artistas respondem ou não. A reverência dos tropicalistas ao samba-canção e o apelo a outras estéticas “cafonas” são por vezes considerados gestos “populistas”. Ironicamente, é o mesmo adjetivo que os críticos do nacional-popular empregavam ao sinalizar sua aproximação com o samba de morro e a música nordestina. Retomemos então o questionamento de Darcy Ribeiro: O que eles chamam de populista não será o popular? Em ambos os casos, o intuito inicial é oferecer uma leitura atualizada sob novos valores estéticos, requerendo um engajamento ativo com a nova realidade imposta. Portanto, a oposição entre as duas tendências limita-se à expansão da sua abertura estética. Em segundo lugar, a violência do regime não deixava muita margem de escolha para seus opositores; seja no campo da política ou da estética. Novamente: o fechamento dos CPCs empurrou toda a classe artística para a indústria cultural. Portanto, os tropicalistas trabalhavam com essas condições como uma realidade objetiva e incontornável. E, tal como parte da oposição entendia que não haveria alternativa senão enfrentar a violência da burguesia com a violência revolucionária, os tropicalistas combateram estética com estética; procurando devorar violentamente tudo o que o povo brasileiro era obrigado a consumir culturalmente. Entretanto, como foi dito, eram tempos de desconfiança: “como podem, em plena repressão e censura, estarem estes tropicalistas tão sorridentes e dançantes na televisão”? Os tropicalistas precisaram responder por suas obras, suas ideias, mas também por aquilo que lhes era alheio; no caso, o fenômeno midiático do tropicalismo. Com a emergência da indústria cultural brasileira, a fronteira entre arte e propaganda começa a esvanecer. É ao que se referia Roberto Schwarz ao falar da “luz do ultramoderno” que confunde a distinção entre genialidade e oportunismo (30).

Acontece que a análise das obras tropicalistas requer parcimônia e cautela — é preciso estar atento à estrofe, ao refrão, ao palavrão e à palavra de ordem. Contrastando as músicas de protesto e as músicas tropicalistas, há mais similaridades do que a superfície dos arranjos de guitarra nos permite enxergar. Se para os críticos, as letras tropicalistas eram confusas, as metáforas de Chico Buarque eram poesias. Tomemos Funeral de um lavrador (1968) de Chico e Coragem pra suportar (1968), de Gilberto Gil, para uma breve comparação. Nos arranjos há grandes distinções, com Chico apostando no samba com o andamento de marcha fúnebre (bastante apropriado, diga-se de passagem) enquanto Gil e Duprat fazem referência explícita ao arranjo de Taxman (1966) dos Beatles. Já as letras têm basicamente a mesma dinâmica: contam a história de personagens camponeses, onde ambos enfrentam o problema da miséria com a singela diferença que Chico Buarque cita nominalmente o problema do latifúndio. Será que o arranjo atrapalha tanto assim na compreensão?

O clássico de Vandré é bastante objetivo ao falar em “soldados armados, amados ou não”; mas nem sempre suas músicas dispuseram de tanta objetividade. Disparada (1966) também recorre a metáforas na alusão mítica do camponês — além da duradoura analogia do povo com o gado. Roda Viva é alvo de especulações até hoje quanto ao significado dos seus versos. Então, ao denunciar a falta de sentido da Tropicália, do que reclamavam os defensores do nacional-popular? Um evento histórico ocorreu no auditório da FAU/USP, onde as diferentes perspectivas deveriam confrontar-se intelectualmente. Apesar de passar para a história com o nome de debate, é consenso que pouco foi de fato debatido naquele 6 de junho de 1968. Dentre bombinhas, gritos e tomatadas, percebeu-se que a principal crítica aos tropicalistas derivava da sua aproximação com os meios de comunicação em massa. Não preciso repetir mais uma vez que esta não era uma alternativa e sim uma consequência política. Entretanto, reside nessa crítica mais do que a denúncia de uma impostura moral ou estética, mas a denúncia de uma capitulação da cultura ao capital. Essa leitura dá tons graves e concretos à crítica, fazendo-se necessário respondê-la. No entanto, a análise aprofundada revela uma desvantagem nos argumentos em favor do nacional-popular. Em seus estudos sobre a resistência cultural à ditadura civil-militar, Marcos Napolitano mapeou a composição social e política da indústria cultural brasileira. Resumidamente, os militares controlavam o Estado e por consequência a censura; os liberais, naturalmente controlando a iniciativa privada, eram também os donos dos meios de comunicação; e as esquerdas, trabalhistas e comunistas, possuíam larga hegemonia entre os produtores, autores, compositores e os demais operários culturais. Politicamente, essa distribuição civil se organiza tal como a Quadrilha (1930) de Carlos Drummond de Andrade: os liberais se aliavam aos militares, os trabalhistas se aliavam aos liberais, os comunistas se aliavam aos trabalhistas, e alguns outros comunistas optaram pela guerrilha — ou seja, não se aliavam à ninguém. Ora, a estética nacional-popular deriva diretamente da estratégia nacional-democrata adotada pelo PCB e o PTB, e derrotada no golpe de 1964. Se o problema dos tropicalistas era sua aproximação com os meios de comunicação operados pela burguesia, teriam estes estudantes, militantes e artistas esquecido no que acreditavam antes do golpe? Como sustentavam essa crítica aqueles que até abril de 1968 defendiam a Frente Ampla?

Se os tropicalistas propunham uma aliança utilitarista com a indústria cultural visando o uso do seu capital fixo para produzir sua arte, o nacional-popular deriva de uma aliança ideológica com a burguesia; entregando-a o papel de gerente da modernização brasileira. Talvez a postura reativa da militância, a essa altura dos fatos, deriva justamente do ressentimento quanto aos erros que precederam o golpe. Era o 4º ano da ditadura militar; de certo as visões se radicalizaram e muitos já não acreditavam nas postulações desenvolvimentistas pré-1964. Neste sentido, alguns autores, como Pedro Duarte, entendem que a Tropicália espantava o “fantasma da revolução brasileira” (31). Seu foco seria mais na rebeldia do que na revolução em si. É uma leitura relativamente comum, apoiada em cânones como Celso Favaretto e Heloísa Buarque de Hollanda. Este postulado se apoia largamente no que ocorreu no III Festival da Canção Internacional em 1968. É importante notar que, em uma sociedade progressivamente amordaçada, qualquer opinião manifestada canaliza ódios e revoltas reprimidas. E o FIC de 1968 é um caso emblemático, pois foi este o festival em que a vaia consagrou Vandré e Caetano, em sentidos opostos. Na final, o público vaiou a vitória de Sabiá (1968) de Chico Buarque e Tom Jobim. O motivo? Pra não dizer que não falei das flores, em segundo lugar, era notoriamente preferida pela plateia que não só concedeu o prêmio moral à Vandré como saiu do Maracanazinho naquela noite cantando em coro a canção-protesto. Foi um gesto popular poderoso, e nesse sentido todo reconhecimento deve ser atribuído ao seu autor enquanto construtor de um momento marcante para a resistência civil brasileira. Já Caetano, por outro lado, consagrou-se por estar justamente na mira das vaias.

Caetano e Gil trocaram os acompanhamentos de 1967 para 1968; desta forma, este agora se apresentava com os Beat Boys, enquanto aquele subiu ao palco com Os Mutantes. A música da vez era É proibido proibir (1968), que, resumindo, tratava-se de uma ode aos eventos do famigerado ‘Maio de 68’. Angélica Lovatto esclarece que, de fato, este evento histórico representa um ponto de inflexão nas lutas sociais onde a revolução de fato cede lugar à revolta difusa e as pautas fragmentadas (32). Mas é difícil sustentar que É proibido proibir gozasse de tal discernimento e, consequentemente, filiava-se à ideia de revolta como substituto à revolução. Entendo que a música transmite a cena da revolta e desestabilização urbana enquanto parte de um contexto maior. Se a luta armada não era um postulado do ‘Maio de 68’ francês, era uma realidade que se impunha cada vez mais em maio de 1968 no Brasil. Desde outubro de 1967, Carlos Marighella escrevia, desde Cuba, “Algumas questões sobre as guerrilhas no Brasil” (33). Na contramão da ideia de guerrilha urbana, Fidel Castro dizia que, por conta de todo o aparato repressivo do Estado, as cidades são cemitérios de revolucionários. No entanto, a própria Revolução Cubana, partindo de Sierra Maestra, contou com agentes desestabilizadores, e outras tantas contribuições da população urbana, que auxiliaram a tomada de cidades-chave como Santa Clara e Santiago de Cuba.

Ao contrário das interpretações que posicionam a Tropicália (lisonjeiramente ou não) como representante desta nova postulação política inaugurada em ‘Maio de 68’; entendo que o contexto político brasileiro influenciou os tropicalistas muito mais do que qualquer revolta universitária francesa ou o summer of love californiano. Os tropicalistas, por diversas vezes, aludiram à guerrilha e à luta armada em suas canções — mais notoriamente em Enquanto seu lobo não vem (1968). Quem também notou isso foi Cláudio Coelho, que em artigo de 1989 disse:

“Os tropicalistas, ao oferecerem uma versão da realidade brasileira alternativa à da esquerda, estavam ao mesmo tempo, construindo uma versão alternativa da ideia de revolução. Entendo que os tropicalistas compartilhavam a visão da esquerda de que a produção artística devia estar associada a transformações revolucionárias, discordando da esquerda, apenas no entendimento do que seriam, estas transformações”(…)As análise que argumentam que o tropicalismo rejeitava a idéia de revolução defendendo a revolta (…) não levam em consideração o poder de atração que a ideia de revolução — entendida como mudança global da sociedade — exercia nos anos 60” (34).

O artigo também conta a história de Alex Polari, estudante secundarista que aderiu à VAR-Palmares, tomando coragem em partir para a luta armada após uma série de reflexões desencadeadas pela audição de Tropicália ou Panis et Circensis. Em suas memórias, Polari lembra de sua própria perplexidade ao ouvir pela primeira vez Alegria, Alegria, Tropicália (1967), Baby (1968), Geleia Geral (1968), etc. Em sua mente, a sucessão de combates líricos e estéticos começou a se misturar com o sangue e os cadáveres que a repressão deixava para trás. Sobre qual significado retirou do disco, Polari diz:

“senti que alguma coisa importante estava acontecendo e que essa coisa afinava de uma maneira incrível com a minha sensibilidade (…) Agora era a minha descoberta dentro de um país confuso, injusto, engraçado. Foi a única vez que me emocionei com esse país, que estive próximo a me sentir produtor de sua história e sua cultura” (35).

Estejamos cientes de que, enquanto evidência histórica, o relato de Polari não comprova que a Tropicália era em si uma iniciativa revolucionária — nem creio que o próprio acreditasse nisso. Por outro lado, tampouco deixa intacta a tese de que os tropicalistas eram rejeitados pelos comunistas e adorados pela rebeldia contracultural alienada. Orientações políticas e gostos estéticos tendem a caminhar juntos, mas não estão acorrentados reciprocamente. Parte do apelo da comunicação em massa deriva justamente que sua mensagem chegará até você, mesmo que 1) você não seja o alvo ou, 2) você não queira ouvir (36). Portanto, ao aderir à indústria cultural, os tropicalistas falavam praticamente para todos. Em pesquisa realizada no Rio de Janeiro pela JB/Marplan, publicada em 6 de outubro de 1968, Caetano Veloso, talvez a figura mais conhecida da Tropicália, era considerado um artista de valor por 50% da classe A, 47% da classe B e 62% da classe C; totalizando uma aprovação geral de 55% (37). Apenas 8% pareciam desconhecer o artista, portanto, ainda que não fosse unanimidade, a tarefa de tornar a Tropicália conhecida parecia superada. Uma vez analisadas as técnicas, os limites, os objetivos e os resultados da aproximação da Tropicália com a indústria cultural, cabe perguntar: com quem os tropicalistas queriam estabelecer diálogo? À quem se direcionava as críticas e os elogios tropicalistas? Diferentemente das canções do nacional-popular, o discurso tropicalista não era exortativo e explícito em seu direcionamento à classe trabalhadora. Ainda que os meios de comunicação permitissem-nos falar para o povo, estes não o convocavam para a ação nem lhe distribuía ordens. Na verdade, os tropicalistas retomam e aprofundam uma dinâmica contemplativa e reflexiva introduzida pela Bossa Nova. Via de regra as canções tropicalistas são conversas por onde se estabelece uma troca de ideias. Mesmo as mais narrativas como Lindonéia (1968) ou Mamãe, coragem (1968) possuem uma dimensão reflexiva profunda que envolve não só o narrador, mas seu contexto. Não há idealismos ou ordens, no máximo, conselhos sobre o que o ouvinte precisa saber — a piscina, a margarina, a Carolina e a gasolina — ou fazer — os panos para lavar, as contas do mercado, ler Elvira, a morta virgem ou O Grande Industrial.

E é por meio da antropofagia que os tropicalistas realizavam um processo dialógico muito similar ao da paródia carnavalesca de Mikhail Bakhtin: reconhecem o valor da contraparte e submete-a a uma descaracterização (38). Mas ao contrário da paródia, a antropofagia não visa dessacralizar e esvaziar o poder da sua vítima; mas incorporá-lo e dar-lhe novo sentido. É o que fazem com a Bossa Nova, o rock, o samba-canção, o samba de morro, a salsa, a guitarra, a orquestra, o berimbau e tudo mais o que surgisse. Como disse Pedro Duarte:

“Nesse sentido, a Tropicália elaborou na música popular uma forma de pensamento sobre o contato do Brasil com o Ocidente, tendo em vista tanto o seu subdesenvolvimento (…) como sua afirmação cultural singular no entendimento da vida. Nem ufanismo ingênuo nem a autodepreciação colonizada, a Tropicália produzia uma crítica alegre ou uma alegria crítica do Brasil” (39).

Essa abordagem totalizante, conectando o Brasil ao mundo e o mundo ao Brasil, expandia o alcance da crítica presente na música popular brasileira para além das trincheiras culturais da luta interna que se desenrolava desde 1964. Em um ambiente cada vez mais controlado pela ditadura, os tropicalistas não faziam referência aos mesmos significantes de sempre — o povo, a nação, a luta, o trabalhador — , mas buscavam oferecer novas informações para que o ouvinte engajar se ativamente na obra, conectando os velhos e os novos significantes a fim de sintetizar, por conta própria, novos significados. Trata-se de um conceito similar aos Parangolés de Hélio Oiticica, onde o envolvimento direto do público com a obra estabelece uma constante formação de novas formas de apreciar a obra. Ou como, diz Tom Zé:

“O Brasil daquele tempo, sobre a sombra de uma ditadura, precisava que a juventude tivesse material mental para se excitar para na hora que a ditadura saísse ela estivesse preparada para essa 2º Revolução Industrial. Como a ditadura não compreendia as letras — Você precisa saber da margarina, da gasolina — parecia uma tolice não é? Isso era uma puta malandragem. Numa ditadura pensar é crime! Dar para a fome da cabeça da juventude para eles estarem na excitação de pensar, de compreender seu tempo para fazer a antítese dele…tudo isso é crime! O Tropicalismo estava cedendo isso por baixo do pano” (40).

Portanto, enxergamos aqui parte da resposta: de todo o público com acesso aos meios de comunicação e de consumo cultural, os tropicalistas buscavam falar com a juventude. Porém, não só os tropicalistas, como também, o tropicalismo teve um apelo juvenil muito forte. Isso fez com que, de modo geral, a Tropicália e o tropicalismo, seus efeitos, suas impressões, e sobretudo, seu apelo comercial, fossem vistos pelo jovem brasileiro como uma coisa só. Mas creio que há ainda mais um recorte a ser feito. Pois a Tropicália tem outro ponto em comum com a Bossa Nova para além da postura contemplativa/reflexiva: a metacrítica musical. Não há nenhuma música tropicalista tão objetiva quanto sua metalinguagem como Samba de uma nota só, mas os artistas se faziam da sua aproximação com os meios de comunicação em massa, uma oportunidade de influir e expandir o debate público acerca do estado da arte. A intervenção mais contundente talvez tenha sido a declaração de Caetano sobre recusar-se “folclorizar meu subdesenvolvimento para compensar as dificuldades técnicas” (41). Essa colocação revela que, para além da juventude, os tropicalistas miravam a classe artística como alvo de suas propostas. Os tropicalistas acreditavam ser possível unir a mensagem política de uma música como Roda Viva com a força contagiante de um grupo como a Jovem Guarda.

De certa forma, Caetano até conseguiu unir esses grupos: No documentário Uma noite em 67 (2010), Miltinho, do grupo MPB-4, relembra de que ao assistir ao show dos tropicalistas na Boate Sucata, a incompreensão foi tamanha que, encontrando-se com Erasmo Carlos no banheiro o cantor da Jovem Guarda lhe disse: “Eu não estou entendendo nada”; ao que Miltinho respondeu “eu também não” (42). Anedotas à parte, a Tropicália não foi ignorada, somente foi incompreendida por parte desta classe artística. Nesse mesmo documentário, Chico Buarque e Edu Lobo comentam como se sentiram, aos 23 e 24 anos, respectivamente, tachados como “conservadores” ou “caretas”. Por um lado, Edu concede ao fato de que não estavam exatamente apelando à juventude ao cantar de smoking.

Já Chico comenta a sensação de isolamento que o abateu ao ver a Tropicália tomando forma. Caetano confirma que esta sensação era verdadeira. Acredito, porém, que ela não deriva da Tropicália em si, mas do tropicalismo como fenômeno comercial. Gil e Caetano contaram em inúmeras oportunidades que ventilaram as propostas do que seria a Tropicália com diversos artistas, mas que estes não chegavam a uma compreensão objetiva do que pretendiam aqueles novos nomes da MPB. Chico Buarque ainda comenta que se sentia mais à vontade na estética “banquinho e violão”, pois a Bossa Nova acomodava melhor sua timidez, identificando seu impedimento em relação à Tropicália na performance de palco, as roupas e o estilo de cantar. Contra esse argumento, é muito marcante a foto que registra Jorge Ben ao lado d’Os Mutantes, Gil, Caetano e Gal Costa, pois, enquanto os tropicalistas estão todos trajados com roupas e apetrechos extravagantes, Jorge veste uma simples gola-rolê preta. Anos mais tarde, o próprio João Gilberto levaria seu banquinho e violão para cantar ao lado de Gal e Caetano na TV Tupi (43). Dada a abertura estética dos tropicalistas, não é possível crer que houvesse algum impedimento ou oposição à eventual adesão de artistas de diferentes estilos, ainda que diametralmente opostos aos seus. Esses impedimentos surgiram do tropicalismo midiático que convencionou uma determinada imagem a uma proposta estética antropofágica avessa à rotulagem comercial da indústria cultural.

Portanto, não faz sentido opor a Tropicália contra a Bossa Nova e a canção de protesto, sem considerar o ruído que a indústria cultural produziu entre esses conceitos, seus respectivos artistas e o público. Pedro Duarte erra ao comparar, por duas vezes (44), as vaias e as críticas de público e classe artística, com a censura da ditadura. O grande perigo de tomar o suposto “maniqueísmo populista” como um nêmesis tropicalista, é que se perde a gravidade do que era a censura oficial do Estado. De certo, os críticos emitiram opiniões pesadas e por vezes injustas, mal embasadas ou mal intencionadas — mas nenhum deles fechou a Boate Sucata, na Lagoa; foi o Estado. Claro, as vaias no festival de 1968 ou a arapuca no debate da FAU/USP foram agressivas, mas não foi a juventude de esquerda que prendeu Gil e Caetano, foi o Estado. Colocar em pé de igualdade a crítica e a tortura é assumir o ponto de vista dos “dois demônios”, algo largamente descartado na Historiografia especializada. A temporada de shows na Boate Sucata começou em outubro de 1968 e virou sensação nas colunas culturais. Opiniões positivas e negativas circulavam na imprensa e chamavam a atenção do público carioca. Mas também começava a incomodar algumas figuras reacionárias da sociedade brasileira. Os detalhes são confusos, mas no documentário Narciso em Férias (2020) (45), Caetano relembra, por meio dos arquivos de seu processo, os eventos que levaram à sua prisão.

O processo conta que a denúncia teria partido de um do apresentador de TV Randal Juliano, que na TV Record teria acusado os tropicalistas de desonrar o hino nacional; cantando uma paródia nos shows na boate da Lagoa Rodrigo de Freitas. Outros depoimentos dizem que o radialista denunciou um desrespeito à bandeira do Brasil, mas a única bandeira que compunha o palco daqueles shows era a obra de Hélio Oiticica, Seja marginal, seja herói. Seja como for, vale lembrar que, entre a temporada de shows e a prisão de Gil e Caetano, foi decretado o Ato Institucional n.º 5, o que significa dizer que o respeito ao devido processo legal era, mais que nunca, mera retórica. Portanto, pouco importa de onde partiu qual denuncia, Gil e Caetano foram considerados inimigos do Estado. À certa altura no documentário, Caetano lembra de um militar que lhe fez acusações de promover uma guerra psicológica contra o regime militar e outras ilações que anos mais tarde fundamentariam as teorias da conspiração sobre o suposto “marxismo cultural”. De fato, o documento diz que Caetano:

Tem participado, em suas atividades artísticas,de grupos, que vêm se constituindo em um dos principais meios de guerra psicológica; grupos êsses constituídos de cantores e compositores de orientação filocomunista (…) Trata-se de um elemento a serviço das atividades comunistas, intencionalmente ou como “inocente util” (46).

Tendo em mente o alvo no qual miravam, se a Tropicália apresentava algum risco de radicalização por meio de “guerra psicológica”, seria somente o da classe artística; mas isto não parecia estar acontecendo. A leitura do restante do processo e seu interrogatório torna mais plausível a hipótese de que suas prisões decorreram da presença dos artistas na Passeata dos 100 mil e as declarações de Caetano sobre a “juventude tomar o poder” e “aqueles que invadiram a Roda Viva e espancaram os atores” no discurso do III FIC. Os arquivos do DOPS de São Paulo revelam que outros tropicalistas foram monitorados e fichados durante toda a ditadura: Nara Leão, em 1969, por seu envolvimento com o teatro universitário e a canção de protesto (47); Rogério Duprat, estava sendo procurado pela polícia federal por motivos não registrados em 1971 (48), sendo fichado pelo DOPS paulista pelo seu envolvimento com a organização Ação Popular, em 1973 (49); e Júlio Medaglia, também pelo DOPS paulista, foi fichado por assinar um manifesto lido durante as campanhas pelas Diretas Já em 1983 (50). Portanto, não foram a rebeldia, os cabelos compridos, as roupas coloridas ou o comportamento extravagante que chamaram a atenção da ditadura, mas sim os menores sinais de que ali havia, de fato, uma mensagem política. Com a prisão de Gilberto Gil e Caetano Veloso estava encerrada a Tropicália. Terminava ali a evolução da modernidade na música popular brasileira que havia sido motivada, inicialmente, pela lenta industrialização da 1ª. República. Ganhou novos impulsos com a Semana de Arte de 1922, a Revolução de 1930 e a disseminação do rádio nos anos 1940. Atingiu um novo patamar de excelência no ciclo desenvolvimentista dos anos 1950, uma profunda consciência política, onde estreitou seus laços com o projeto de modernização popular, e posteriormente à ditadura, nos anos 1960. Chegava agora aos anos 1970 amordaçada e submetida à orientação de outra modernidade; de caráter estritamente capitalista e abertamente autoritário.

Na verdade, é surpreendente o mero fato que a Tropicália tenha acontecido. A força do engajamento político e cultural empurrou a genialidade musical brasileira, quase por inércia, para além dos marcos temporais do golpe militar. Isto é: sem a excitação que os CPCs provocaram no início da década de 1960, teríamos dificilmente encontrado depois de 1964 um ambiente de ideias fervilhantes; cujo fogo só pode ser apagado mediante o AI-5. Na célebre colocação de Vladimir Maiakovski, sem forma revolucionária não há arte revolucionária. Ou, como disse Capinam (51): “sem liberdade formal, a liberdade de conteúdo está comprometida”. Apesar de opostos em seu tempo, percebemos que os tropicalistas eram consequência natural do que buscavam os artistas do nacional-popular. Falando para os artistas, a Tropicália poderia produzir as condições para essa revolução interna no campo artístico. Mas como o próprio povo brasileiro, as arbitrariedades da classe dirigente limitaram o potencial dos tropicalistas. Apesar de sua notória influência, o ruído midiático e a repressão estatal nunca os permitiram desenvolver plenamente sua arte; sobrando a nós apenas imaginar o que a Tropicália poderia ser.

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[COMO CITAR: CARNEIRO, André Luis. Tropicália — Bananas ao vento: a música tropicalista como retrato de uma modernidade interrompida. 146 p. 2021. Monografia (Graduação em História) — Departamento de História. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2021.]

Links para os outros capítulos:
[Introdução]
[Capítulo 1: Colocando o pingo nos ismos]
[Capítulo 2: Vandrés e Vanguardas: O Estado da MPB (1930–1967)]
[Capítulo 4: A Rota do Ano Luz: Análise das Músicas]
[Capítulo 5 — Dos Braços De 2000 Mil Anos: Considerações Finais]

Notas:

  1. VELOSO, Caetano. Debate. Revista Civilização Brasileira. Disponível em: <http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/reportagens-historicas/que-caminhos-seguir-na-mpb>
  2. Trottier, David: “The Screenwriter’s Bible”. Silman James, 1998, p. 5–7
  3. Após 1964 é difícil falar em arte “cepecista”, mas as práticas culturais e as influências estéticas se mantiveram e se manifestaram em diversas formas: De tal modo que canção de protesto, música engajada, etc. são sinônimos para o nacional-popular.
  4. Em inglês ainda é comum escutar o termo electric guitar em oposição ao acoustic guitar, uma vez que eles não possuem termo próprio para o violão.
  5. BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Textos Escolhidos / Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas; traduções de José Lino Grünnwald … [et al.]. — 2. Ed. — São Paulo: Abril Cultura, 1963 p. 28
  6. PINTO, Álvaro Vieira do volume I “O conceito de tecnologia­ Rio de Janeiro: Contraponto, 2005 p. 269
  7. Tropicália ou Panis et Circensis. O Som do Vinil. Rio de Janeiro. 2012. Programa de TV
  8. SCHWARZ, op.cit, p. 40 e p. 41
  9. Falando de forma rudimentar, a música nada mais é do que ar manipulado, vibrando de uma forma específica; a dança é a forma como nosso corpo reage à essa manipulação. A violência, no tocante à relação artista-audiência, manifesta-se basicamente de duas formas: a primeira opta pelo choque, pela agressão — é o caso de estéticas mais contemporâneas como o dubstep e o noise. A segunda opera como na lenda do Flautista de Hamelin, envolvendo o ouvinte, controlando os movimentos do seu corpo por meio da dança. Os tropicalistas buscaram o poder dessa segunda opção, que estava sendo utilizado pela Jovem Guarda.
  10. MOREL, Marco. A saga dos Botocudos : guerra, imagens e resistência indígena 1. ed. -São Paulo : Hucitec, 2018.
  11. Rogério Duprat. In. Tropicália.. Direção de Marcelo Machado. São Paulo: Imagem Filmes, 2012. 1 DVD (87 min.)
  12. DUARTE. op.cit p. 21
  13. FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria — 4º ed. — Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007 p. 33
  14. DENSMORE, John. In. Classic Albums: The Doors. Direção de Bob Smeaton. Reino Unido: BBC, 2008. Programa de TV (50 min)
  15. FAVARETTO. op.cit. p. 20
  16. Atualmente os samples são recursos muito comuns ao rap. Resumindo, retira-se um pedaço de uma música e coloca-se em um determinado padrão repetitivo para, a partir daí, criar uma música nova. O caso mais famoso talvez seja a música Qual É (SONY, 2003) de Marcelo D2 que sampleou diversas partes da música Kabaluerê (RCA, 1971). Duprat não visava samplear outras músicas àquela altura, pensando antes em criar formas de se visualizar uma cena por meio de efeitos sonoros. Hoje, essa dinâmica é largamente explorada no estilo lo-fi hip-hop, produzido independente e distribuído gratuitamente em plataformas como o Youtube.
  17. FAVARETTO, op.cit, p. 34 e p. 35
  18. GRANATO. op cit. p. 126
  19. Já fazem alguns anos que os meios de produção fonográfica baratearam no mercado. Essa condição está mudando na medida em que a moeda nacional derrete, mas mesmo quando o dólar custava 2 reais nada mudou na indústria fonográfica brasileira. Além do mais, muitos hardwares de segunda mão ainda circulam no mercado brasileira e a pirataria garante acesso à softwares de primeira linha. Não há razão material para o imobilismo cultural dos dias de hoje.
  20. Há ainda o caso daqueles que, em plena ditadura, encontraram no Estado a sua bóia de salvação: Glauber Rocha trabalhou na estatal EMBRAFILMES, mas ninguém em sã consciência o chamaria de alienado ou vendido; Glauber morreu combatendo a decadência da cultura brasileira e é até hoje reconhecido por isso.
  21. Ora, qualquer sociedade convive com elementos arcaicos e modernos; por mais que se tente é impossível apagar completamente o passado. Nesse sentido, o Brasil (e o Rio de Janeiro em particular) é um exemplo do quanto o esforço da constante reinvenção acaba por acumular frustrações e ressentimentos que nunca morrem, apenas tomam novas formas. Por outro lado, o conceito próprio do desenvolvimento implica em um processo no qual antigas estruturas são recompostas ou revolucionadas. O longo desenvolvimento do capitalismo estadunidense contou com a escravidão como elemento constitutivo; da mesma forma o rápido desenvolvimento do socialismo chinês contou as reformas de Deng Xiaoping para alavancar a economia à nivel internacional.
  22. VELOSO, Caetano. Verdade Tropical — São Paulo : Companhia das Letras, 1997, p. 280
  23. NAPOLITANO. op.cit., 2017 p. 162
  24. DUARTE. op.cit., 2018 p. 55
  25. DUARTE, op.cit., p. 66
  26. LEE, Rita. Rita Lee: uma autobiografia — 1. Ed. — São Paulo : Globo, 2016 p. 64
  27. Ibid. p. 22
  28. FAVARETTO op.cit. p. 26
  29. SCHWARZ op.cit. p. 20
  30. Ibid. p. 24
  31. DUARTE op.cit p. 65
  32. LOVATTO, Angélica. A corrente autonomista no Brasil e a classe operária: apontamentos críticos sobre a revisão do marxismo nos anos 1980. In: Revista Lutas Sociais v. 20, n. 37, 2016, p. 10 — p. 22
  33. MARIGHELLA, Carlos. Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil — Havana : 1967. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marighella/1967/10/guerrilhas.htm (Último acesso: 26/03/2021)
  34. COELHO, Cláudio N.P. A Tropicália: Cultura e política nos anos 60. In. Tempo soc. vol.1 no.2 São Paulo, 1989, p. 168
  35. POLARI, Alex. Em busca do tesouro. Rio de Janeiro, Codecri, 1982, p. 121, 123 e 124
  36. Deus sabe o quão impossível é escapar do Big Brother Brasil durante a pandemia.
  37. Jornal do Brasil, 06/10/1968 http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/122877 (Ultimo acesso: 26/03/2021)
  38. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin — 2.ed — São Paulo: Contexto, 2016
  39. DUARTE. op.cit. p. 13
  40. Tom Zé. In. Tropicália.. Direção de Marcelo Machado. São Paulo: Imagem Filmes, 2012. 1 DVD (87 min.)
  41. VELOSO. op. cit. p. 207
  42. Uma noite em 67. Renato Terra & Ricardo Calil (dir.). Beth Accioly (prod.) Video Filmes : São Paulo. (DVD, 93 min)
  43. Chega de Saudade. Especial. São Paulo : TV Tupi, 1971
  44. DUARTE. op.cit. p. 81 e p. 114
  45. Narciso em férias. Renato Terra, Ricardo Calil (dir.). Paula Lavigne (prod.) — Rio de Janeiro : UNS Produções e Filmes, 2020. (Streaming, 1h e 23 min)
  46. Arquivo Nacional, BR_DFANBSB_N8_0_PRO_CSS_0313_D0001DE0001 p. 15 e p. 16
  47. Arquivo Público do Estado de São Paulo: DOPSSANTOSL00310
  48. Arquivo Nacional: BR_DFANBSB_NS_AGR_COF_ISI_0041_d0001de0001
  49. Arquivo Público do Estado de São Paulo: BR_SPAPESP_DEOPSSPOSFTEXNSR000823
  50. Arquivo Público do Estado de São Paulo: DCSM02085
  51. Tropicália ou Panis et Circensis. O Som do Vinil. Rio de Janeiro. 2012. Programa de TV

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André Luis Carneiro
André Luis Carneiro

Written by André Luis Carneiro

Historiador formado pela UERJ. Mestrando da UNIRIO. Comunismo, música e futebol. andreluis.carneiro130@gmail.com

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